sábado, março 20, 2004

Os Doutores da Bola

Miguel Fernandes, João Benedito e Gonçalo Alves são nomes bem conhecidos do futsal nacional. Quem os vê a alinhar na equipa do Sporting dificilmente imagina que estes atletas são muito mais do que profissionais da modalidade e que o fato e a gravata fazem parte da sua indumentária, de segunda a sexta-feira.
Estes jovens fizeram aquilo que para muitos é impensável: conciliaram os treinos com os estudos e, como o "canudo" não é para estar guardado na gaveta, estão a colocar em prática o curso com que sempre sonharam.
O gestor Miguel foi o primeiro doutor da equipa, concluindo a licenciatura em 2000, numa altura em que o Sporting ainda não trabalhava como equipa profissional. Seguiu-se o também gestor João Benedito, em 2003, e o advogado Gonçalo, em Janeiro passado.
Privilegiados
João e Gonçalo são funcionários da Sporting Gestão, enquanto Miguel trabalha por conta própria, numa empresa de artes gráficas que o seu pai possui em Sintra.
Apesar de assumirem que são privilegiados, como refere Miguel, que diz mesmo ser "difícil encontrar alguma entidade patronal que admitisse esta situação", nenhum deles descura no trabalho.
Os atletas/doutores têm dias muito agitados, sobretudo quando há treinos bidiários. Por volta das 9 horas dirigem-se para os respectivos locais de trabalho. Ao final da manhã têm o primeiro treino, regressando depois do almoço para as empresas. Para acabar mais um dia de trabalho, nova sessão de treinos. Apesar disso não há tempo para queixas. "Nunca ninguém diz "estou cansado, porque estive a trabalhar", diz Gonçalo.
Quando entram no Multidesportivo de Alvalade esquecem-se do curso, do trabalho e apenas o futsal interessa. "Quando vamos treinar deixamos o fato no cabide", afirma o advogado, a que Miguel acrescenta: "Normalmente nem tocamos no assunto. Por vezes há alguns que chamam 'doutor', na brincadeira."
Vantagens laborais
Os leões discordam que o trabalho tenha implicações na produção desportiva, antes pelo contrário, como explica João: "Prefiro estar ocupado do que estar todo o dia só a pensar no treino. Antes, quando tinha mais tempo livre, por exemplo, dormia a sesta e chegava ao treino mole. Estarmos mais ocupados torna-nos mais responsáveis."
Para Miguel, há apenas uma diferença em relação ao companheiros que só treinam: "Temos menos horas de sono, de resto ninguém repara que trabalhamos."
Os atletas fazem questão de agradecer ao Sporting, que facilita bastante quem trabalha e estuda, com o horário dos treinos: 11.30 e 19.00 horas.
Como bom advogado, Gonçalo tem o dom da palavra, e não quis deixar de aconselhar os jovens que pensam que não conseguem aliar os estudos e o desporto: "Não arranjem desculpas que não existem, é tudo uma questão de vontade."

Dois amores sem opção possível
Divididos entre duas paixões, nem querem pensar na possibilidade de terem de optar por uma das carreiras. "Como trabalho no Sporting, nem penso nessa situação", diz João, que, apesar disto, assume que tomaria uma decisão materialista. "Sempre quis aplicar o curso que tirei. Se tivesse mesmo de escolher talvez optasse pelo curso, mas não deixava o futsal", refere Gonçalo. Miguel acrescenta: "Nem que fosse para um clube mais pequeno, onde só treinasse à noite..."

Futsal presente até ao fim
O futsal esteve presente no final do curso de dois dos licenciados. João Benedito soube que tinha terminado o curso quando estava em Itália, ao serviço da selecção nacional, que disputava o Europeu de 2003. O último exame de Gonçalo Alves aconteceu poucas semanas depois de Portugal ter garantido a presença no Mundial de 2005, e na semana de um Benfica-Sporting. O advogado só teve razões para festejar...

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